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onde as identidades se perdem

 Dentro do projeto contemplado pela Bolsa Produção, o artista produziu cinco séries de gravuras cujos títulos são frases que integram as imagens: “quando crescer jogue fora toda infância”, “como foi meu dia?”, “antes a única preocupação era se amanhã iria chover ou não para poder brincar mais”, “seguro de nada” e ‘não sou eu que conservo minha presença nas marcas que deixo”. Maikel escolhe um retrato fotográfico, cuja função primeira foi a de registrar uma realidade há muito distante, para transformá-lo num desenho que se mantém fiel ao objeto que representa, porque não o descreve, mas inscreve-o no presente como um pensamento que se abre para o mundo. Introduzindo na nova imagem objetos que não estavam na fotografia de origem, o artista devolve ao retrato sua função de mostrar algo mais que exterioridades dos retratados.  A aparente inocuidade dos objetos inscritos nos corpos contrasta com o caráter forte das frases, que revelam a ruína ou a tristeza inerente à indefinição da identidade dos personagens.

 Reduzidas a poucas linhas, suficientes para identificar o retrato de uma pessoa, as figuras retratadas mantém apenas alguns elementos de seu vínculo com o real. No entanto, apesar de tão economicamente representadas, as pessoas nos desenhos olham diretamente para nós como num espelho, inaugurando uma ponte com o nosso momento. Sustentando nosso olhar como a Monalisa, elas exibem sobre seu corpo desenhos de diversos objetos do cotidiano, que vão se acumulando a cada imagem de uma série – são marcas sobrepostas, rasgadas em profundidade e que não se deixam apagar nem mesmo quando surge novo desenho. O meio escolhido para a realização dessas operações é a gravura em metal. A gravação da placa de ferro se dá com um ácido para a gravação mais duradoura de cada retrato, e logo a seguir recebe as incisões diretas e menos resistentes de uma ponta seca, fazendo aparecer o primeiro desenho de um objeto no corpo do metal, no corpo do retratado. Em seguida o desenho passa por uma tentativa frustrada de apagamento, e a placa recebe sobre o desenho atenuado um novo e fresco desenho. A cada desenho gravado corresponde uma cópia em papel, numa tentativa de conservar a memória de um momento único. Uma história vai sendo construída e torna-se evidente através das marcas acumuladas.  É impossível não associar esse sistema à maneira como nos acontecem algumas coisas, à maneira como vamos sendo marcados e modificados pela vida.

 Alguns desenhos apresentam certa semelhança com os de antigos catálogos de propaganda. Ao perceber flores, casa, blusa de lã, chaleira, bebê, grampo de roupa, TV e a frase convencional “como foi meu dia?” gravados no ventre de uma mulher, surge imediatamente uma interrogação: quem carrega marcas ligadas a esses objetos, que parecem refletir um tempo passado? A figura é de uma mulher como tantas, os objetos são comuns. Sua identificação dá-se justamente pela ausência de marcas capazes de lhe conferir identidade definida e, mesmo assim, sua figura nos parece conhecida. Enquanto as séries de imagens colocadas lado a lado revelam vestígios de um processo de sucessivas incisões e apagamentos, as figuras carregadas com todo esse movimento olham em nossa direção fixamente. A escala das gravuras acentua a sensação de presença que os olhares provocam. Quem nos olha? A quem e o que estamos olhando? O que nos aproxima dessas figuras? Elas parecem estar congeladas num tempo muito distante e simultaneamente estar presentes na mesma sala que nós. É justamente no movimento desse aproximar e afastar, esse aparecer e desaparecer que tornamos possível um diálogo com cada personagem das séries, que abrimos uma brecha para tatear contornos que nos permitam ver o que está diante de nós, perceber o que, do que se nos apresenta, nos diz respeito(1). O que me desenha, o que me define são as diferenças que percebo entre nós e entre todos os seres humanos.

(1)Didi-Huberman, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998, pág. 33.

 Ana Gonzáles

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  Como foi meu dia?

Intimista é o universo que Maikel da Maia transpôs para a gravura em metal. Já nos títulos de suas séries está identificado o tom poético que orienta o processo criativo.
Cinco séries produzidas no período da Bolsa, Como foi meu dia?, Não sou eu que conservo minha presença nas marcas que deixo, Quando crescer jogue fora toda a infância, Antes a única preocupação era saber se amanhã iria chover ou não para poder brincar mais e Seguro de nada contam com fotografias de família e com lembranças afetivas como motivação. Daí, o artista recupera extratos de um passado ainda pulsante.
Redimensionando a lembrança transversalizada pelos vários tempos, Maikel não só apropriou-se dos “pequenos mistérios” da técnica, como intensificou-a de acordo com especulações visuais sobre a impossibilidade de se repetir os dias já vividos.
Tratando o “corpo” da matriz metálica, o gravador operou incisões sobre representações de corpos queridos, fundindo imagens lembradas com a memória da própria placa que, mesmo insistentemente apagada, devolve, na impressão seguinte, aquilo que não se quer ou não se pode esquecer.
O jogo estabelecido entre matéria, técnica, conceito, símbolo e memória reluz desde o apagamento, conectando-se livremente com queridos calores cardíacos emanados de imagens que comporiam qualquer de nossos álbuns interiores.
Re-significados pelo afeto absorvido desde a infância, acontecimentos insignificantes, relatos sem novidade ganham foco, teimando contra o desaparecimento.
Comentando as três primeiras séries, começarei com Como foi meu dia?. Uma imagem maternal acolhe, em seu amplo ventre uma sucessão de pequenas imagens que vão se sobrepondo a cada impressão. São flores, eletrodomésticos, chaleiras e peças de roupa, todos ícones de cotidianos femininos.
Como um palimpsesto visceral, nota-se, por entre as pequenas imagens que vão surgindo nesta primeira série, a sombra das que já se sucederam em impressões anteriores, tornando visualmente perceptível uma metáfora que tão bem nos aproxima da constante luta entre a inevitável alienação diária e a força de reaparecimento que algumas lembranças preservam, enraizadas que estão nas incisões deixadas por tempos vividos.
Em Não sou eu que conservo minha presença nas marcas que deixo, o discurso poético se debruça sobre a relação entre um homem e uma mulher, sem que nenhum resíduo erótico seja sugerido. Incisões, veladuras com água-tinta e outras sobreposições vão se sucedendo por entre os lugares dos corpos, preparando-os para reversibilidades programadas. Mas a memória do metal acumula traços que insistentemente são devolvidos ao contexto da imagem.
A relação entre contato e distância que tão bem caracteriza a impressão atravessa o conceito de pele, mantendo a tensão entre superfícies que se tocam, se transferem, se misturam e tornam visíveis as variações mais discretas do ambiente circundante.
Neste sentido, uma interessante aproximação pode ser feita com o artista paulistano Rafael Assef que produz palimpsextos sobre a própria pele. Usando-a concomitantemente como matriz e suporte de pequenos mapas tatuados, Rafael cria uma sucessão de formas geométricas “rasgadas” sobre as cicatrizes de formas anteriormente “gravadas”. Os resultados são sucessivamente fotografados e ampliados. É o caso de Cartografia aos 31 anos, da série Atlas, datada de 2004 e exposta, em 2006, no Instituto Tomie Ohtake.
Transformando a série Quando crescer jogue fora toda a infância em um repositório de sensações vividas nos primeiros anos, Maikel recorre a um retrato de sua irmã mais velha. A partir de um gesto, ao mesmo tempo irônico e melancólico, fica explícita uma experimentação que avança pelas lembranças.
Tanto os traços buscados pelo gravador quanto aqueles permitidos sobre a “pele metálica” da matriz poderiam ter sido considerados por George Didi-Huberman quando o filósofo francês, falando sobre a impressão, evoca “o poder que têm as imagens de nos tocar, a invenção de uma memória de formas, o jogo cruel do desejo e do luto, tudo isso em um triplo contato, por vezes alegre, por vezes doloroso, com a matéria, com a carne, com o desaparecimento”(1).
(1) DIDI-HUBERMAN, George (dir.). L’Empreinte. Paris: Centre George Pompidou, 1997. /s.p./. Trecho extraído de tradução feita por  Patrícia Franca.
Marcos  Hill
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